- Mariana Lopes
Conheça a história do comunista William Dias Gomes. O vereador mais votado de Nova Lima em 1947, assassinado por capangas da mineradora Morro Velho
William tinha que ser morto. E ele já sabia disso. Dias antes do seu assassinato, ele tinha dito a sua esposa sobre o mau pressentimento: “se for preciso, darei meu sangue pelo meu povo, pela minha classe. Eu tenho que lutar até minhas últimas forças. Eu não recuo, porque, se recuasse, estaria traindo o meu povo”. Foi onde hoje é o Sindicato dos Mineiros, na Praça Bernardino de Lima, em Nova Lima, que ele foi assassinado com um tiro no coração e outro, à queima roupa, na nuca. Seus algozes eram capangas da mineradora Saint John Del Rey Mining Company. Ele era gaioleiro na mineradora, comunista e foi o segundo vereador mais bem votado na cidade, em 1947. Após o seu assassinato, um dos capatazes gritava pela praça, a quem o quisesse ouvir: “esse William precisava ser morto! Sempre foi um traidor da Companhia!”. Em um ponto tinha razão: William nunca defendeu os interesses dos ingleses e imperialistas.

Em memória ao gaioleiro, comunista e liderança importante da cidade de Nova Lima, o capítulo de hoje, do Escavando a Verdade, é dedicada a vida de William Dias Gomes; em homenagem a ele e a todos os mortos, escravizados e operários - assassinados, soterrados, queimados, explodidos por dinamites ou asfixiados pela silicose - que tiveram sua trajetória de vida atravessadas pela mineradora Saint John Del Rey Mining Company, a antiga Morro Velho, hoje AngloGold Ashanti.

Gaioleiro
William era gaioleiro na mineradora desde 1937, quando tinha 22 anos. Seu trabalho consistia em empurrar, com o ombro, o carrinho, carregado de minério, a dois mil e quinhentos metros abaixo da superfície, sob temperaturas às vezes superiores a 40 graus, respirando uma atmosfera finíssima de poeira de sílica, que provocava nos pulmões a doença chamada silicose e, popularmente conhecida na cidade como “poeira”.
Com o miserável salário, sustentava a mãe, Dona Liberalina, a mulher e três filhos.
Atleta do Villa Nova
Quando adolescente, William distinguiu-se como o melhor jogador do Villa Nova. O time foi fundado em 28 de junho de 1908 por operários e ingleses. Há controvérsias sobre o porquê do seu surgimento, mas há evidências do intuito de difundir a prática esportiva aos operários e de competir com o clube Morro Velho, criado pelos ingleses. Os dribles de William arrancavam gritos de entusiasmo à torcida. Todavia, não foi encontrado nenhum documento que atestasse seu vínculo com o clube operário no nível profissional.
PCB
O Partido Comunista do Brasil (PCB) chegou a Nova Lima em 1932, cinco anos antes de William ser admitido como gaioleiro na mineradora. De início, o Partidão, como era conhecido, recrutou Anélio Marques Guimarães, que criou, com mais dois operários - Pedro Pinto Carneiro e Geraldo de Souza - a primeira célula dentro da mina de Morro Velho. Esse núcleo assumiu a tarefa de criar o sindicato local, algo que foi feito de forma discreta. A criação da União dos Mineiros da Morro Velho - o primeiro nome do sindicato - nasce em 13 de maio 1934 – data simbólica: o mesmo dia da abolição da escravatura no Brasil. Essas movimentações colocaram a organização comunista local sob a mira repressiva da mineradora.
Castor Cifuentes
Inclusive, Castor Cifuentes, espanhol que tem seu nome, honrosamente, nomeando o Estádio Municipal de Nova Lima, foi um funcionário exemplar da mineradora e entrou para a história do time Villa Nova porque administrou o Leão do Bonfim movido por um único sentimento: o amor desmedido ao pavilhão alvirrubro. Castor faleceu em 22 de novembro de 1935 (dois anos antes de William ser contratado pela mineradora), aos 42 anos, e o verdadeiro motivo da sua morte, segundo seus familiares, foi abafado: “meu bisavô não morreu de desgosto, como disseram na época, algo que ainda hoje é replicado por historiadores. A Morro Velho aplicou uma injeção errada nele, eles o assassinaram. Abafaram o caso porque ele era a favor dos operários. Ele não era comunista, ele só não aceitava injustiça e exploração”, disse uma bisneta, que não quis se identificar, ao Banqueta.

Eliminar contestações
Com a movimentação de organização da classe dos trabalhadores, a mineradora criou uma entidade paralela e divisionista - diluída em 1940 - para disputar a hegemonia contra o sindicato e o movimento comunista local. Em 1936, a empresa, preocupada com a mobilização operária, e aproveitando-se da histeria anticomunista já aderida no país, denunciou como “extremistas” todos os diretores do sindicato e os dispensou. Isso ocorreu poucos meses após a mineradora ceder na disputa em torno do seguro social e assistir à derrota de seus candidatos na eleição para cargos de um conselho previdenciário interno à empresa por uma diferença de 2.500 votos. O propósito da mineradora era, aproveitando a contraofensiva conservadora em curso no país, eliminar qualquer ambiente favorável para contestações operárias e remover a possibilidade da formação de novas lideranças.
Dirigentes da greve
É importante contextualizar o clima da época, para entender a chegada de William no cenário e o seu desenvolvimento enquanto liderança comunista. Em fins de 1944, os operários de Morro Velho declararam-se em greve por aumento de salários. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) controlava a impressa, de modo que nenhuma notícia foi publicada. O órgão foi criado em 1939 durante a ditadura do Estado Novo responsável por difundir a ideologia do regime por intermédio da propaganda política e também por realizar a censura; esse órgão existiu até 1945. A greve obteve sucesso e se notabilizou pela eficiência da organização dos trabalhadores. Esses operários, em uma semana, superaram a intransigência dos ingleses e a polícia do Estado Novo. Nessa época, William foi notado como um dos dirigentes da greve.
“Não posso ficar sem saber das coisas”
Em 1945, o gaioleiro ingressou no Partidão. Procurava sempre estudar, não apenas literatura marxista, mas tudo quanto pudesse contribuir para o seu desenvolvimento. Certa vez, um bacharel amigo se escandalizou porque William trazia debaixo do braço uns manuais de geografia e português. “Ora, vocês puderam frequentar escolas. Eu tenho de aprender por mim mesmo. Não posso é ficar sem saber das coisas”, disse o gaioleiro. William dedicou o ano seguinte a orientar os mineiros que estavam novamente empenhados no aumento de salários. Fizeram uma greve branca - quando os operários não saem dos seus postos, batem cartão, mas não produzem - e em dois dias, os ingleses tiveram de entrar em acordo. Neste período, a extração de minerais era fundamentalmente manual. Ter operários insatisfeitos, com poucos incentivos, poderia ser desastroso para os negócios.

Eleições 1947
Nas eleições de 1947 - quando o Partido Comunista teve seu registro novamente cancelado pelo Tribunal Superior Eleitoral, em pleno Governo Dutra, com base em texto constitucional que proibia a existência de partidos que fossem contrários ao regime - houve uma coalizão entre pessedistas e comunistas, o que garantiu 61,53% dos mandatos de vereadores do Partido Social Democrático (PSD), dando-lhe a maioria na Câmara Municipal de Nova Lima e o consequente apoio ao Executivo. Os comunistas elegeram seus seis candidatos: o vice-prefeito, Jacinto Augusto de Carvalho; o Juiz de Paz, Dr. Joviano Assis Fonseca; e quatro vereadores, sendo dois desses os mais votados. São eles: Anélio Marques Guimarães (768 votos), William Dias Gomes (306), Antônio Liberato da Silva (217 votos) e Pedro Matias Horta (185 votos).
Vereador mais votado
Dentre os oito vereadores pelo PSD, esses quatro eram operários da mineradora, de expressiva liderança no movimento. Os comunistas parlamentares criaram o “escritório do povo”, onde hoje é o Sindicato dos Mineiros, na Praça Bernardino de Lima, e recebiam diversas reivindicações específicas das classes populares. William sempre levantou com firmeza, diante dos representantes encobertos da mineradora, as reivindicações dos trabalhadores. Ele não se descuidava dos problemas da cidade e do município. Propunha que fossem distribuídas as terras dos grandes latifúndios das proximidades - o maior deles pertence à própria mineradora - a todos aqueles que estivessem dispostos a lavrar o solo. Algo que, até hoje, em 2025, Nova Lima enfrenta: um grande número de pessoas que não tem onde morar ocupam terras improdutivas da mineradora AngloGold Ashanti e vivem em territórios com conflitos fundiários, sem asfalto, sem água e sem energia elétrica. Situação que se agrava cada dia mais e que a Prefeitura de Nova Lima afirma não poder interferir, já que se trata de terreno particular.
Repercussão da luta
William também trazia à tona, na Câmara Municipal de Nova Lima, questões de interesse nacional. Ele era membro do Centro Municipal de Defesa do Petróleo e era considerado, no município, o homem que mais entendia do assunto. Apesar de sua febril atividade política, nunca deixou de trabalhar como gaioleiro no fundo da mina. Como líder e organizador da classe de trabalhadores da mina de Morro Velho, suas ações começaram a ter repercussão no estado de Minas Gerais. Na reportagem do Jornal do Povo, intitulada “O povo luta contra a volta da ditadura”, o periódico belo-horizontino indicou uma onda de protestos dos operários das minas contra o General Dutra, presidente do Brasil entre 1946 e 1951. O texto do jornal possuiu a assinatura de mais de 200 trabalhadores da mina. Provavelmente William estava na coordenação do movimento, que pedia reforma agrária, diminuição do custo de vida, agilidade da Justiça do Trabalho, entre outras pautas.

Plano Canadense
Em 1948 chegou de Toronto o canadense George Oridean Wigle. Ele foi nomeado novo administrador da mineradora e colocou em prática um inédito sistema para acelerar o ritmo do trabalho nas minas. Entre outras ações estava o aumento das horas no interior das galerias, e exploração ainda mais cruel dos trabalhadores. Era o chamado Plano Canadense, que acabou acirrando a luta de classe em Nova Lima. Havia a gratificação aos operários do subsolo por massa de minério coletado, algo que não se estendia aos trabalhadores da superfície, que teria também o trabalho aumentado. Como líder operário e comunista, William não se calou, e na Câmara declarou: “concito a todos os trabalhadores a abrirem os olhos, porque esse Plano Canadense pode ser muito bom para inglês ver, mas não o será para os operários. Não acredito que esses ingleses venham lá das bandas da Inglaterra e de suas colônias para bancarem os bonzinhos para com os brasileiros, cuja raça eles nem mesmo creem que seja de gente. Daí a necessidade de lutarmos organizadamente na defesa de nossos interesses, porque a Companhia está sabendo lutar pelos seus, em prejuízo dos trabalhadores”.
Estopim
Em setembro de 1948, os mineiros conseguiram uma Assembleia Geral que tentou ser boicotada pelo presidente da Junta. Compareceram 1.600 operários. Neste dia, ali, foi eleita a Comissão de Salários, com William à frente, que desempenharia ainda importante papel. Os mineiros exigiam mais sete cruzeiros diários e o repouso semanal remunerado. Na mesma semana, uma notícia correu rapidamente através dos elevadores e galerias das oficinas de redução e de energia: seis feitores, amigos dos trabalhadores, tinham sido mandados embora (é importante destacar que os cargos utilizados pela mineradora, como “feitor”, evidenciam o ranço escravocrata da empresa). Em seguida, a mineradora, tentou mais um golpe: ameaçou despejar, das casas que alugava, aposentados precoces, tuberculosos, silicóticos e aleijados no serviço da mina.
Passeata de estropiados
Imediatamente, organizou-se uma grande passeata de estropiados e doentes, viúvas e órfãos, pelas ruas de Nova Lima. Das escadarias da prefeitura, o vereador William, discursou: “no Brasil há uma minoria, dona de tudo, e uma maioria, representada por vocês que estão aqui, e que nada possui. O povo, os operários, só devem confiar na sua própria força, na força de sua unidade e de sua organização. Nada se pode esperar do governo, pois ele é composto de traidores da pátria. Se a Companhia quiser cumprir a ameaça do despejo, os aposentados todos devem ocupar a casa do companheiro mais ameaçado, e não permitir que ele seja despejado. A Companhia é inglesa e a casa fica no Brasil”. Naquele dia, ninguém foi despejado.

Greve de 1948
Foi uma luta de heroísmo e persistência, contra o delegado e o prefeito, a demagogia de certos políticos e as ameaças terroristas do bando de capangas já organizado e armado por Mr. Wigle, que queria obrigar alguns mineiros a trair os companheiros e furar o movimento. Mas, apesar das forças contrárias, em 18 de outubro de 1948 tudo parou. Seis mil operários, de Nova Lima e Raposos, cruzaram os braços. A Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) era como uma milícia privada da mineradora e, como de praxe, foi acionada para os grevistas. À noite, ainda no dia 18 de outubro, milhares de operários fizeram uma passeata e reuniram-se no portão da mina, em frente à entrada. Entre os integrantes estavam os quatro comunistas eleitos vereadores no ano interior: Anélio, William, Antônio e Pedro. No auge da concentração, os trabalhadores foram atingidos por disparos de arma de fogo, algo que nunca foi investigado pela Polícia Civil. A repressão foi tratada como algo natural e até uma resposta desejável em face da “agitação comunista”.
Prazo de 30 dias
Em dois dias a greve tornou-se parcialmente vitoriosa. A mineradora aceitava a readmissão dos seis feitores e o pagamento aos operários dos dias de paralisação, além do compromisso de dar uma resposta, no prazo de 30 dias, às reivindicações de salários. Em celebração, William discursou em um comício que reuniu cerca de seis mil operários, na Praça Bernardino de Lima. “Saímos de cabeça erguida porque vencemos. Aguardemos agora o prazo para que a Companhia responda sobre os salários. Concedemos 30 dias, mas seremos intransigentes caso não forem aceitas as nossas reivindicações”, discursou.
Revolução Russa
Faltando seis dias para encerrar o prazo da mineradora no cumprimento do aumento de salário, William, junto a outros comunistas, organizaram uma passeata em homenagem ao 31º aniversário da Revolução Russa, que tornou a União Soviética socialista. Durante os dias da organização, William teve um mau pressentimento. Sabendo das ameaças dos capangas, resolveram mudar de local a passeata e se dirigiram ao escritório do povo, na Praça Bernardino de Lima, onde imaginaram que estariam mais protegidos. Foi em 7 de novembro de 1948 que o escritório dos vereadores foi invadido por capangas da mineradora.

Assassinato
William se postou no topo da escada, e aguardou que o primeiro chegasse bem próximo. Neste momento reconheceu Belarmino Barbosa, homem com muitos crimes nas costas, bem pago pela mineradora. William perguntou a Berlamino o que ele queria. “Nós queremos entrar”, respondeu. “Para entrar é preciso pedir licença”, retrucou William. Neste momento o capanga não teve coragem de deflagrar o revólver que já trazia empunhado. Foi um outro, Sebastião de Paula, que, escondido às costas de Belarmino, deu o tiro que penetrou direto no coração de William. Quando o comunista caiu é que Belarmino se animou e deu um tiro na nuca do vereador, à queima roupa. William foi assassinado aos 33 anos de idade, no dia da Revolução Socialista. E ele precisava ser morto porque, na verdade, precisavam matar suas ideias.
Homicídio na praça
No mesmo dia, o colega de William, Ornélio Pereira da Costa, conhecido como “Bem”, foi executado com um golpe de paralelepípedo que esmagou seu crânio na Praça Bernardino de Lima. Ao todo, entre mortos e feridos na passeata, foram 22 pessoas atingidas, algo que ficou conhecido como a Chacina da Morro Velho. Depois, o delegado de Belo Horizonte concluiu: “a polícia não poderia ter consentido que no coração daquela cidade funcionasse às escâncaras o escritório dos vereadores do povo, verdadeira célula comunista”. O escritório foi fechado e a repressão aos trabalhistas, sindicalistas e comunistas se intensificaram, inclusive com o assassinato de outra liderança.

Mais uma liderança assassinada
Pouco mais de um mês após a chacina, José dos Santos, o “Lambari”, foi morto numa emboscada, quando retornava de uma reunião de um grupo de mulheres em Honório Bicalho; era sabido, pela população, que o crime havia acontecido pelas mesmas mãos das pessoas que mataram William. Após 11 dias do assassinato de Lambari, em 1949, a mineradora demitiu 51 operários, sem direito a indenização, escolhidos a dedo, sob a acusação de serem comunistas e sabotadores, tendo como justificativa uma suposta queda de produção causada pela greve de 1948 na qual William era um dos coordenadores. E ainda, corria a notícia de que havia outra lista, com mais 400 “vermelhos” (nome pejorativo dado aos comunistas).
O maior cortejo fúnebre
Dizem que cerca de duas mil pessoas, homens e mulheres, gente de toda idade, principalmente mineiros de Morro Velho, acompanharam os funerais de William e Ornélio: o maior cortejo fúnebre que Nova Lima já presenciou. Inúmeros operários vieram de Raposos, apesar dos policiais ameaçar e espancar muitos do que se dirigiam a pegar o bondinho. William nasceu em Mariana, Minas Gerais, em 1915. O seu pai morreu quando ele tinha 6 anos. Dona Liberalina, a mãe, dizia que nunca mais quis se casar novamente. Trabalhou como lavadeira, ganhando 500 réis por dia. A esposa de William contou certa vez que ele morreu sorrindo, pois sabia que outros viriam substituí-lo.

Silicóticos
Na década de 1930, existiam mais de oito mil operários trabalhando na mina, sendo superexplorados e sem nenhum tipo de proteção ao corpo e à vida durante a atividade laboral. Consequentemente, desenvolveram a doença silicose. Especificamente na região do Galo, onde havia arsênio, muitos foram envenenados. Milhares de trabalhadores, e escravizados, foram mortos em decorrências das doenças adquiridas pelo trabalho, ou em acidentes que soterraram, queimaram, explodiram ou afogaram os trabalhadores de Nova Lima. Em 2016 havia 500 mil trabalhadores silicóticos no país, das empresas de extração mineral e garimpo, de acordo com a Secretaria de Saúde de Minas Gerais.
Tantos e quantos
De acordo com informações do documentário “Tantos e quantos: os mineiros do Morro Velho”, de 2019, produzido por Tádzio Coelho, Jorge Pires e Henrique Alves, em 2009 um relatório da AngloGold Ashanti indicava 3.077 mil ex-trabalhadores diagnosticados com silicose. Uma conta que não fecha, visto os inúmeros casos de pessoas que lutaram para ter seu diagnóstico validado pela Justiça, em busca de indenizações, mas que não conseguiram. Sem contar os que morreram ao longo do século. Inclusive, muitos trabalhadores se dirigiam aos médicos da Justiça do Trabalho e não recebiam o diagnóstico correto e isso acabou por criar uma polêmica em Nova Lima, Raposos e Rio Acima, já que os trabalhadores faleciam sem ter a doença diagnosticada e sem uma causa de morte convincente. A polêmica era da possibilidade de haver suborno, visto que os médicos peritos, que faziam avaliação, poderiam ser pagos pela empresa para acobertar o alto índice de silicose entre os trabalhadores da então AngloGold Ashanti. Já no século XX, cerca de 9 mil trabalhadores entraram na Justiça em busca de indenizações, mas muitos morreram antes de finalizar o processo.

Cumplicidade e omissão do Estado
A Comissão da Verdade em Minas Gerais afirma que a repressão desencadeada e mantida contra os operários da mina de Morro Velho - que se intensifica em 1964, ano do Golpe Civil-Empresarial Militar no país - caiu no esquecimento, sem que tenha havido investigações e quaisquer punições aos responsáveis - mandantes e executores - não por inexistirem condições técnicas e elementos materiais suficientes para se tomarem as providências e os encaminhamentos necessários, mas porque as autoridades, mesmo tendo à sua disposição recursos e aparatos suficientes nas esferas políticas, policiais, jurídicas e financeiras, optaram pela cumplicidade e pela omissão.
Referências
Todas as informações dessa reportagem foram extraídas dos artigos “Villa Nova Athletic Club: Histórias Do Futebol Operário Em Minas Gerais (1908 - 1952)”, de Roberto Camargos Malcher Kanitz, “Cultura operária: um estudo de caso do Villa Nova Atlético Clube”, de Daniela Alves da Silva e “Figuras do movimento operário: William Dias Gomes”, de Maurício Queiroz, da Fundação Maurício Grabois; do relatório final da Comissão da Verdade em Minas Gerais/2017; do documentário “Tantos e quantos: os mineiros do Morro Velho”; e do livro “Morro Velho – A extração do homem”, de Yonne Grossi
